21/10/2011 - O futuro mais simples
21/10/2011
Longe das metrópoles, comunidades sustentáveis buscam alternativas 
para um estilo de vida saudável, pouco consumista e de mínimo impacto 
ambiental
O celular não pega, é preciso dormir em barraca e quem usa o banheiro 
seco tem de virar um balde de serragem no vaso sanitário, em vez de 
puxar a descarga. Ainda assim, a cada feriado, quase 40 pessoas pagam 
para se isolar no mato a 4 quilômetros da praia Dura, em Ubatuba, no 
litoral de São Paulo, para fazer um dos cursos do Instituto de 
Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica (Ipema). 
"Cada vez 
mais gente nos procura porque está em crise e quer fazer a sua parte 
para mudra o mundo", conta o criador do Ipema, Marcelo Bueno, quando o 
reencontro em Ubatuba, em uma segunda-feira de agosto deste ano. 
Pesquisador obsessivo de tecnologias de mínimo impacto, Bueno é um 
sonhador ousado e um realizador radical. Depois de viajar pelo mundo por
 dois anos e meio e de voltar de uma experiência na comunidade The Farm,
 no estado americano do Tennessee, em 1999, ele resolveu fazer da 
própria casa, na praia Brava, um laboratório de sustentabilidade. 
A
 experiência despertou o interesse de escolas, autoridades e curiosos, 
inspirando Bueno a arregimentar sete pessoas para comprar a terra em que
 funciona, hoje, a base do instituto que criou e de seus experimentos. 
No futuro, eles pretendem construir suas casas para morar de vez no que 
será a Ecovila Corcovado. Implantar uma comunidade ecologicamente 
responsável não é empreitada fácil - e tenho descoberto isso nas visitas
 que faço a esses grupos embrionários desde que comprei, há três anos, 
com amigos, um sítio em Juquitiba, no interior paulista, com o mesmo 
sonho de Bueno. Conscientes dessa dificuldade, os responsáveis pelo 
Ipema aproveitam a disposição de suas populações flutuantes. Nos últimos
 seis anos viabilizaram a construção do abrigo para a turbina que 
transforma a água do riacho vizinho em energia elétrica, dos filtros 
naturais que tratam as águas usadas nas pias e da cozinha com um fogão a
 lenha que aquece a água da chuva captada para ser usada no banho. 
Todas
 as práticas ensinadas seguem a cartilha da permacultura, um método de 
planejamento de assentamentos humanos sustentáveis criado pelos 
australianos Bill Mollison e David Holmgren, na década de 1970, e que 
conta hoje com mais de 3 mil adeptos no Brasil. Em seu cotidiano, Bueno 
mantém uma attitude ecológica exemplar. Ele e os moradores do Ipema 
geram a energia que consomem, bebem a água da cachoeira do quintal, dão 
encaminhamento a todos os dejetos e plantam árvores - um dos projetos 
reflorestou mais de 70 hectares com juçara, uma palmeira ameaçada de 
extinção, no sistema de agrofloresta. A rotina sem confortos urbanos se 
assemelha a de nossos avós. Por opção, não há geladeira nem para guardar
 o leite das duas filhas pequenas de Bueno. Fogão, só a lenha - um 
simples cafezinho pode demorar uma eternidade. 
A mulher dele, a 
engenheira florestal Cristiana Reis, usa apenas absorventes de pano e 
nem as fraldas das crianças são descartáveis: tudo é lavado, sem 
produtos químicos, na água fria para ser reutilizado. A gordura da 
cozinha vira sabão. Para não consumir embalagens, só entram na despensa 
produtos a granel. E acredite: há 11 anos Bueno não coloca nem o lixo 
não reciclável no caminhão da prefeitura. "Prefiro acumulá-lo para 
constatar a responsabilidade do meu impacto no planeta e depois 
enterrá-lo, como fazemos com o entulho de nossas construções." 
A
 despeito das aparências, a ideia não é recusar as novas tecnologias. 
"Temos computador, ouço música em um iPod", conta Cristiana. 
						
						
						
						
Benjamin Béchet / 
Olhares
Um grupo de 
jovens estudantes colhem camomila em um campo da Estância Demétria, em 
Botucatu, interior de São Paulo. O contato com a terra é uma das bases 
da doutrina das ecovilas
(Fonte:planetasustentavel.abril.com.br)
 
						
						
																	
						
					
						 
						
					 
					
					
					
					
					
						
						
ecovilas
						
O futuro mais simples
						
Longe das metrópoles, comunidades 
sustentáveis buscam alternativas para um estilo de vida saudável, pouco 
consumista e de mínimo impacto ambiental
						
						
Daniel Nunes Gonçalves
National Geographic  Brasil - 10/2011
						
[imgcapa] O celular não pega, é preciso dormir em 
barraca e quem usa o banheiro seco tem de virar um balde de serragem no 
vaso sanitário, em vez de puxar a descarga. Ainda assim, a cada feriado,
 quase 40 pessoas pagam para se isolar no mato a 4 quilômetros da praia 
Dura, em Ubatuba, no litoral de São Paulo, para fazer um dos cursos do 
Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica (Ipema). 
"Cada
 vez mais gente nos procura porque está em crise e quer fazer a sua 
parte para mudra o mundo", conta o criador do Ipema, Marcelo Bueno, 
quando o reencontro em Ubatuba, em uma segunda-feira de agosto deste 
ano. Pesquisador obsessivo de tecnologias de mínimo impacto, Bueno é um 
sonhador ousado e um realizador radical. Depois de viajar pelo mundo por
 dois anos e meio e de voltar de uma experiência na comunidade The Farm,
 no estado americano do Tennessee, em 1999, ele resolveu fazer da 
própria casa, na praia Brava, um laboratório de sustentabilidade. 
A
 experiência despertou o interesse de escolas, autoridades e curiosos, 
inspirando Bueno a arregimentar sete pessoas para comprar a terra em que
 funciona, hoje, a base do instituto que criou e de seus experimentos. 
No futuro, eles pretendem construir suas casas para morar de vez no que 
será a Ecovila Corcovado. Implantar uma comunidade ecologicamente 
responsável não é empreitada fácil - e tenho descoberto isso nas visitas
 que faço a esses grupos embrionários desde que comprei, há três anos, 
com amigos, um sítio em Juquitiba, no interior paulista, com o mesmo 
sonho de Bueno. Conscientes dessa dificuldade, os responsáveis pelo 
Ipema aproveitam a disposição de suas populações flutuantes. Nos últimos
 seis anos viabilizaram a construção do abrigo para a turbina que 
transforma a água do riacho vizinho em energia elétrica, dos filtros 
naturais que tratam as águas usadas nas pias e da cozinha com um fogão a
 lenha que aquece a água da chuva captada para ser usada no banho. 
Todas
 as práticas ensinadas seguem a cartilha da permacultura, um método de 
planejamento de assentamentos humanos sustentáveis criado pelos 
australianos Bill Mollison e David Holmgren, na década de 1970, e que 
conta hoje com mais de 3 mil adeptos no Brasil. Em seu cotidiano, Bueno 
mantém uma attitude ecológica exemplar. Ele e os moradores do Ipema 
geram a energia que consomem, bebem a água da cachoeira do quintal, dão 
encaminhamento a todos os dejetos e plantam árvores - um dos projetos 
reflorestou mais de 70 hectares com juçara, uma palmeira ameaçada de 
extinção, no sistema de agrofloresta. A rotina sem confortos urbanos se 
assemelha a de nossos avós. Por opção, não há geladeira nem para guardar
 o leite das duas filhas pequenas de Bueno. Fogão, só a lenha - um 
simples cafezinho pode demorar uma eternidade. 
A mulher dele, a 
engenheira florestal Cristiana Reis, usa apenas absorventes de pano e 
nem as fraldas das crianças são descartáveis: tudo é lavado, sem 
produtos químicos, na água fria para ser reutilizado. A gordura da 
cozinha vira sabão. Para não consumir embalagens, só entram na despensa 
produtos a granel. E acredite: há 11 anos Bueno não coloca nem o lixo 
não reciclável no caminhão da prefeitura. "Prefiro acumulá-lo para 
constatar a responsabilidade do meu impacto no planeta e depois 
enterrá-lo, como fazemos com o entulho de nossas construções." 
A
 despeito das aparências, a ideia não é recusar as novas tecnologias. 
"Temos computador, ouço música em um iPod", conta Cristiana. "Só não 
queremos ser dependentes de algumas tecnologias." A única emissão de 
carbono que Bueno e Cristiana lamentam é a gerada pelo combustível do 
automóvel. "Se o mundo vivesse um colapso financeiro, eu só teria de me 
livrar do carro e do plano de saúde", diz ele. Produzir etanol é uma 
meta. Esse projeto foi testado ao longo de seis meses de 2010 em outra 
comunidade verde, a Visão Futuro, de Porangaba, também no interior 
paulista. 
A produção de cana com esse fim, porém, mostrou-se 
economicamente inviável - ao menos a princípio. Com quase 20 anos de 
existência, a Visão Futuro foi fundada pela americana Susan Andrews e 
virou um exemplo de sucesso. Só no primeiro semestre deste ano, 750 
pessoas passaram por seus 20 cursos. A maior parte da comida 
lactovegetariana (baseada apenas em vegetais e derivados do leite) 
consumida pelos alunos é tirada daquela terra. Painéis fotovoltaicos 
aproveitam a luz do sol. Seu maior trunfo, porém, está no fato de tanto 
os dez moradores quanto os frequentadores compartilharem da mesma busca 
espiritual, praticando ioga e meditação. Os estudiosos creem que a 
espiritualidade ajuda esses agrupamentos a se manter unidos e a ficar de
 fora de uma dura realidade estatística: a que diz que só 10% das 
iniciativas de ecovilas resistem ao tempo. 
O conceito de 
ecovilas foi definido em 1995, durante um encontro de representantes de 
diferentes grupos do gênero em Findhorn, ao norte de Edimburgo, capital 
da Escócia. Passaram a levar esse título apenas os assentamentos que se 
sustentam no âmbito social, ecológico, econômico e de visão de mundo 
(que abrange o aspecto espiritual). "Findhorn é pioneira na fusão dessas
 quatro vertentes", conta a brasileira May East, que vive há quase 20 
anos na comunidade que nasceu quando três moradores de um trailer em um 
campo de dunas começaram a atrair curiosos interessados em reproduzir 
sua plantação de repolhos gigantes. May, então famosa como vocalist da 
banda de rock Gang 90, mudou de vida logo depois da Eco-92 - evento no 
qual atuou como "artivista", conforme se definia na época. 
Hoje é
 coordenadora dos cursos de treinamento em ecovilas, diretora de 
relações internacionais e representante do grupo nas Nações Unidas - que
 deu a Findhorn o título de melhor prática de assentamento humano no 
mundo. Conheci May East ali mesmo, no último mês de junho, ao participar
 de um curso chamado Experience Week. Uma semana de imersão na rotina 
local para forasteiros (muitos deles europeus e americanos desiludidos 
com a crise econômica e buscando alternativas de vida). Como no Ipema, 
os alunos pagam para trabalhar - no meu caso, as 400 libras que 
desembolsei me permitiram cuidar do jardim, aspirar o pó do centro de 
visitantes (mais de 2,5 mil pessoas por ano), lavar as enormes panelas 
dos jantares coletivos e, sim, limpar os banheiros. Findhorn tem hoje 
uma emissão de carbono que corresponde à metade do Reino Unido. Quatro 
moinhos de energia eólica demarcam o horizonte do vilarejo de 70 casas 
(várias com telhados verdes e muito vidro para receber mais luz solar e 
economizer eletricidade), uma usina de biomassa queima dejetos orgânicos
 para gerar aquecimento em dias frios e os tanques de uma engenhoca 
batizada de Living Machine tratam o esgoto dos moradores. 
Apesar
 de ministrar mais de 200 cursos por ano, Findhorn mantém sua 
longevidade econômica graças também a outros 60 negócios, de editora de 
livros a hospedarias. Atualmente, 762 pessoas dizem pertencer à 
comunidade, mas apenas 250 vivem na ecovila. Metade desses moradores é 
de trabalhadores da Fundação Findhorn, que se alternam em diferentes 
funções, recebem casa compartilhada e comida de graça, além de salário 
fixo. O contracheque - 200 libras - é idêntico a todos, esteja o morador
 trabalhando na faxina ou seja ele o listener da vez - uma espécie de 
"ouvidor" dos problemas internos. O salário é pago na moeda local, o 
eko, uma nota pequena, semelhante àquelas do jogo Banco Imobiliário, 
cujo valor equivale ao da libra. 
E um sistema de troca de roupas
 e objetos é incentivado para que haja redução no consumo. Segundo a 
Rede Global de Ecovilas, existem hoje cerca de 900 comunidades desse 
tipo no planeta - umas 50 na América Latina. "A grande dificuldade 
costuma ser o relacionamento", reconhece Sandra Mantelli, que fundou, 
com o marido Hiroshi, a Ecovila Clareando, em Piracaia, no interior de 
São Paulo. Cada uma das cinco famílias dali tem espaço e trabalho 
particulares, só interagindo de vez em quando nas áreas comuns. 
Iniciativas parecidas ocorrem na Estância Demétria, em Botucatu, que 
nasceu, em 1974, como fazenda de produção de legumes e verduras sem 
agrotóxicos, e provocou uma revolução na cidade paulista ao difundir um 
maior cuidado com a alimentação. Mais de 100 famílias de simpatizantes 
foram se acercando da fazenda, criando sete condomínios ecologicamente 
responsáveis. 
Boa parte dos vizinhos está afinada com uma 
filosofia-guia: a antroposofia, criada no início do século 20 pelo 
austríaco Rudolf Steiner, que aprofunda o estudo das relações do homem 
com a natureza. A agricultura antroposófica não é chamada de orgânica e 
sim de biodinâmica, por requerer a rotação de cultivos e o plantio de 
acordo com as fases da lua, entre outras diferenças. "Nossa proposta não
 tem a ver com comunismo ou marxismo, mas é uma alternativa a esse 
capitalismo em crise. Estamos buscando formatos que garantam a 
sustentabilidade", diz Paulo Cabrera, o atual líder da estância, um 
gaúcho que viveu em quatro comunidades antes de se estabelecer em 
Botucatu, em 1986. Na Demétria, ele mescla técnicas de cultivo 
tradicionais e modernas usando matéria-prima e mão de obra locais. Com 
24 funcionários, 150 cabeças de gado e uma produção de 15 tipos de 
laticínio, 12 de geleias e 41 artigos de padaria, a fazenda virou 
sinônimo de qualidade ao abastecer feiras de produtos sem agrotóxicos, 
como as que acontecem no Parque da Água Branca, na cidade de São Paulo. 
Entre
 as lições da Demétria para garantir qualidade de vida estão os esforços
 para que as ruas do bairro não sejam asfaltadas, permitindo a 
permeabilidade do solo, e que essas vias não ganhem energia elétrica, o 
que vai assegurar que animais noturnos não sejam espantados e que se 
possa ver mais estrelas à noite. Televisão é algo que Cabrera não faz 
questão de ter. "Deve ser por isso que fiz seis filhos com minha 
mulher", brinca. Como se vê, também o dia a dia dos moradores da 
Demétria se assemelha ao dos antepassados, com a predominância de um 
estilo de vida simples e natural. Cabrera sabe que, assim, seu impacto 
ambiental vai continuar sendo baixo. "Mas a gente não planta árvores 
para neutralizer emissão de carbono. Essa é uma visão moderna 
corretiva", diz. "Plantamos árvores para perceber a transformação que 
elas causam nas pessoas. E para que nossas vaquinhas possam descansar à 
sombra delas e nos dar um bom leite fresco."
						 	
					
					
											
						
ecovilas
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