04/10/2011 - Ecocídio, um crime mundial
04/10/2011
Advogada ambientalista britânica propõe que desastres ambientais sejam considerados crimes contra a paz e passem a ser julgados pelo Tribunal Penal Internacional da ONU
Hélio Gomes
Genocídio, crime contra a humanidade,
agressão entre países e crime de guerra. Em breve, a lista de
atrocidades passíveis de julgamento na mais alta corte da Organização
das Nações Unidas, o Tribunal Penal Internacional, pode aumentar. E o
delito em questão promete inaugurar um novo verbete em dicionários das
mais diversas línguas: ecocídio, ou dano extensivo, destruição e perda
de ecossistemas em qualquer parte do globo (leia a definição completa no
quadro acima). “Em sua essência, um ecocídio é a antítese da vida”, resumiu Higgins
em conversa com ISTOÉ no Twitter enquanto o julgamento acontecia em
Londres. Segundo a advogada, sua principal intenção ao propor a nova lei
à ONU não tem nada a ver com o revanchismo típico dos defensores mais
fundamentalistas da natureza. “Não quero ver um monte de executivos na
cadeia. Acredito que uma lei para os ecocídios poderia fazer com que
essas pessoas tenham mais responsabilidade sobre seu trabalho”, diz a
escocesa. Colaborou
André Julião (Fonte:www.istoe.com.br)
INFERNO
Magnitogorsk, na Rússia, centro de produção de aço e um dos locais mais
poluídos do país
A ideia, que deve ser votada pela ONU em 2012, é fruto da mente inquieta
da advogada ambientalista escocesa Polly Higgins. Filha de um
meteorologista, ela abraçou a causa ambiental há cerca de uma década,
depois de construir uma bem-sucedida carreira na vara trabalhista. Desde
então, ganhou destaque como autora da Declaração Universal de Direitos
do Planeta – baseada na Declaração Universal dos Direitos Humanos e já
aceita pela ONU – e criadora da Wise Women Network (Rede de Mulheres
Sábias), organização que tem como missão estimular a discussão sobre o
aquecimento global entre as britânicas. Radical sem ser xiita, conquista
cada vez mais respeito – e alguns detratores, claro – ao advogar em
nome de um só cliente: o planeta Terra.
Depois de obter o apoio de figuras de peso na Grã-Bretanha, Higgins foi
capaz de convencer a Suprema Corte de seu país a realizar o julgamento
de um ecocídio fictício. Encenado na sexta-feira 30 e transmitido ao
vivo pela internet e via tevê por assinatura, ele foi protagonizado por
procuradores e advogados de verdade, que acusaram e defenderam um alto
executivo – interpretado por um ator – de uma gigante do petróleo.
Sentado no banco dos réus, o CEO foi responsabilizado pelos danos
causados por um derramamento sem precedentes no Golfo do México (alguém
se lembra da tragédia da BP em 2010?) e por um desastre decorrente da
extração de óleo de areias betuminosas no Canadá. O debate de improviso,
segundo os organizadores, levantou questões importantes, como a divisão
da culpa entre governos e empresas e as formas de medição do alcance
dos danos. Depois de horas de argumentação, o júri considerou o CEO
parcialmente culpado pelos desastres.
ATIVISMO
A escocesa Polly Higgins, que se autodefine como “advogada da Terra”
Para Diogo Antônio Correa dos Santos, advogado especialista em direito
internacional, a cruzada de Higgins na ONU não deve ser fácil. “Já
existem diversas convenções que inclusive preveem sanções a quem não
cumpri-las. Os Estados é que precisam se comprometer com a
fiscalização”, afirma. Santos lembra que criar uma lei internacional
ainda exige que ela esteja de acordo com o texto legal de cada país. “Se
a legislação for contrária à Constituição local, não terá efeito”, diz.
No caso das leis regidas pelo Tribunal Penal Internacional, elas
precisam ser aprovadas por pelo menos 86 dos 116 países signatários –
Brasil inclusive –, uma briga difícil.
A principal justificativa de Higgins em sua proposta para incluir o
ecocídio na lista dos chamados crimes contra a paz é a de que a escassez
de recursos inevitavelmente leva ao conflito. “A guerra vem a reboque
nos lugares onde a natureza é destruída pela ação do homem”, conclui a
ambientalista. Resta saber se o seu argumento será capaz de convencer o
mundo.
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